quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Dinises e Carlotas

Quem for ver os registos das crianças Portuguesas nascidas nos últimos anos vai ficar com a ideia de que temos por cá muita gente fina, tantas são as entradas de nomes normalmente destinados a fidalgos - Lourenço, Carlota, Constança, Martim, Sebastião, Frederico - nomes de enunciação trabalhosa, como devem ser os de gente que os merece, sonantes, evocadores da mais cruel das monarquias. Continuamos a ter muitas Zaidas e Naidas, Vanessas, Soraias, Cátias, Vitorinos, Mauros, Marisas, mas a coisa está a inclinar para a direita, meus senhores.
O que vale é que este fenómeno facilmente se desmonta, maior parte das vezes bastando subir um grau na ascendência destes novos lords - começam logo a espreitar Paulos, Susanas, Rui Migueis e Anabelas  - sendo que subir degraus seguintes já é maldade, quase escatológico o querer remexer num pagode de Armindos e Armandos, Gracietes e Orlandos, Aparicios, Odetes e Rolandos. No fundo, para quem escolhe inverter a tendência de Brunos e Hélios na sua familia com um inédito Mateus, tenta-se uma auto-reinvenção. Daí para a frente a familia vai ser do mais fino que há, pelo menos pelos nomes, é uma esponja que se passa, um algodão que se pretende que engane.
Mas não engana, até porque a gente mesmo fina já está um passo à frente. Dotada da sua sobranceria sobre o resto do mundo, composto, na sua mundividência, pelos pobres desgraçados que não sabem estar à mesa, esta casta de gente naturalmente superior pode dar-se ao geneticamente merecido luxo de brincar com isto tudo. Não é possivel outra intenção no brindar um herdeiro com um nome como Mássima, Caetana, Casseana, Lopo, Sancho ou Nestor, que não seja a de exibir um majestoso sentido de humor, normalmente só captado por aqueles que nasceram para usar uma retrete melhor, mas a intenção é mesmo essa.
Claro que o que continua a existir, maioritariamente, é a falta de gosto, única explicação para nomes que, para não sensibilizar as Cátias Vanessas e os Ivos Brunos deste País, prefiro não mencionar. Mas aqui temos um processo limpinho, claro, muito honesto. Não há ninguém a pôr-se em bicos de chinelo, ou a querer mostrar ao mundo que o filho estaria na maior se houvesse rei. São nomes feios, sem duvida, susceptiveis de gozo e trocadilhos, sim, mas dados sem segundas intenções, sem engodo, com todo o amor e carinho do mundo, como atestam as correspondentes pulseirinhas douradas.
Depois temos os filhos de uma geração deslumbrada com as primeiras telenovelas a saltar para este lado do oceano - Iolandas, Laras, Miriams, Danilos - homenagens vivas, premiados com nomes que para o mais acérrimo espectador de telenovelas têm uma forte carga emocional. É claro que para os próprios, sem iluminação, banda sonora e planos de câmara, a coisa perde um bocado o glamour.
Mas gente de cabeça mais arejada também tende a cometer erros - quando se trata de nomear um filho, todos perdemos a erudição, e cedemos à tentadora intenção de querer, via os nossos filhos, querer provar algo ao mundo - querendo romper com as convenções, põem aos rebentos nomes soltos das aborrecedoras amarras da sociedade, normalmente ligados à natureza - Lua, Maria do Mar, Sol, Flor - nomes muito gratificantes para se ter numa roda de ganza, não tanto num conselho de admnistração.
E mesmo aqueles que se acham acima disto, que não têm qualquer afirmação a fazer ao mundo, por entrepostas e inocentes pessoas, o fazem. Porque dar aos filhos nomes singelos, quase monossilábicos - Maria, Ana - é querer fazer-nos acreditar que o seu tempo e interessantes vidas são valiosos demais para se estarem a incomodar muito com a escolha do nome de uma futura pessoa, que nem pensaram nisso. O que denota pensamento a mais.
Quanto a mim, caio mais nesta última categoria. Optei pela distância mais curta, uni dois pontos com uma reta, dei o meu nome ao meu filho. Não o teria feito se me chamasse Cristiano Ronaldo, confesso, era coisa para me fazer dar muitas curvas. Acho que até um numero preferia, mais facilmente chamava 23 ao meu filho, do que algo que certamente teria divertido muita gente durante muito tempo. Francisco é simples e socialmente ambíguo, polivalente, tanto pode ser queque como popular, cabe tão bem num CEO como num merceeiro. Só tem um defeito: nunca é usado. Chico, Kiko, Chiquinho. Francisco nunca.